Sumário
descritivo:
Repositório: Biblioteca do Departamento de
Botânica, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra. Localização: Departamento de Botânica. Cota: Fundo JH Criador: Júlio Henriques Título: Fundo Júlio Henriques Data(s): séc. 19-séc. 20 Quantidade: 17 pastas. Resumo: Correspondência recebida e documentos avulsos do
botânico Júlio Henriques. Informação sobre o modo de aquisição: Pertenceu ao Instituto Botânico. Organização: 1939 manuscritos já descritos [18--?]-[1923] Ordenação : Ordem
alfabética dos correspondentes Acessibilidade: Acesso restrito.
Acesso ao espólio (correspondência recebida)
Nota Biográfica
Júlio Augusto
Henriques, filho de António Bernardino Henriques e Maria Joaquina, nasceu em
Arco de Baúlhe (Cabeceiras de Basto), no distrito de Braga (Portugal), no dia
15 de Janeiro de 1838. Em 1854, foi para Coimbra, fazer os preparatórios para Direito.
Entra como aluno interno no colégio de São Bento (edifício onde se encontra o
Departamento de Botânica da FCTUC), onde lhe é destinado um quarto, que veio a conservar
como morada até ao dia da sua morte. Matricula-se no curso de Direito em 10 de Setembro
de 1855, que conclui em 22 de Junho de 1859, tornando-se Bacharel em Direito. Complementa
a sua formação com um curso de Direito Administrativo, que lhe vem a ser muito
útil na execução de tarefas de gestão inerentes os vários cargos executivos de
que se ocupou ao longo da vida. Nesta época, o curso de Direito incluía as cadeiras
de Química, Física, Mineralogia, Zoologia, Botânica e Agricultura, da Faculdade
de Filosofia, que, por certo, alimentaram o interesse que já detinha pelos estudos
científicos.
Júlio
Henriques nunca se achou com vocação para exercer advocacia, como era a vontade
de seu pai. Como tal, voltou à Universidade de Coimbra. Em 10 de Julho de 1861,
matricula-se no curso de Matemática, mas, poucos meses depois, em 25 de Outubro
de 1861, volta a formalizar nova matricula, desta vez para ingressar na
Faculdade de Filosofia, onde conclui o bacharelato em 12 de Julho de 1864. Por
recomendação do seu professor de Botânica, o Dr. António de Carvalho e
Vasconcelos, Júlio Henriques prossegue os seus estudos na Faculdade de
Filosofia, concluindo a licenciatura em 26 de Junho de 1865. A sua formação
académica ficou consolidada com o grau de Doutor em Filosofia, que obteve em 30
de Julho de 1865, apresentando como dissertação de doutoramento a tese «As
espécies são mudáveis?». Em 1866, Júlio Henriques apresenta a sua dissertação
para o concurso de docente da Faculdade de Filosofia da Universidade de
Coimbra, intitulada “Antiguidade do Homem”. Esta dissertação abordou um tema
antropológico. Júlio Henriques baseou-se nos vestígios deixados pelos nossos
ancestrais, de toda a história do Homem, para falar da evolução da espécie
humana e do seu enquadramento na Terra; descreveu os paleoambientes que
estiveram associados ao percurso da evolução humana e defendeu as teorias
evolucionistas das espécies, contrariando os correntes instalados do
Criacionismo e Fixismo. A sua dissertação é bem acolhida e, em 1869, passa a
fazer parte do corpo docente da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra,
como lente substituto extraordinário das Cadeiras de Botânica e Agricultura,
Zoologia, Química e Mineralogia. Em 1872, lecciona, pela primeira vez, na
qualidade de lente, a cadeira de Botânica, ramo da Biologia que lhe vem a
marcar a carreira científica.
Quando começa
a leccionar na Universidade, a Botânica é já a sua grande paixão, mas esta
ciência, na época, não era levada a sério em Portugal. Desde o grande obreiro,
Avelar Brotero, que pouco ou nada se tinha feita em prol do ensino e estudo da
Botânica. A Universidade não tinha um museu botânico, não dispunha de
laboratórios, os herbários não estavam organizados, nem havia uma biblioteca de
botânica, ou seja, não havia condições para um ensino digno da ciência.
Na década de
1860, quando Júlio Henriques chegou à Universidade de Coimbra, estavam em
cursos reformas educativas. A Faculdade de Filosofia procurava renovar os
métodos de ensino, na tentativa de recuperar o prestígio da instituição, que
vinha decaindo desde os tempos de Avelar Brotero. Proliferava uma corrente no
sentido da elevação do ensino teórico e da criação de laboratórios. Havia
vontade de levantar a Faculdade da condição precária em que vivia, mas a falta
de apoio financeiro do estado constituía um entrave. O seu professor de Botânica,
o Dr. António de Carvalho e Vasconcelos, era um retrato deste clima de mudança
e, apesar de não ser um bom botânico, era um excelente professor, que sabia
como incentivar os seus alunos. Pode-se dizer que a sua influência veio a
moldar o professor em que Júlio Henriques se tornou, sempre prestável para com
todos os alunos e um guia incondicional a quem mostrasse interesse e vontade de
trabalhar.
Entre 1866 e
1873, Júlio Henriques exerce o cargo de Secretário da Faculdade de Filosofia.
Em 17 de Janeiro de 1873 é nomeado lente catedrático e o Conselho da Faculdade
de Filosofia entrega-lhe a regência da cadeira de Botânica e Agricultura e,
posteriormente, a direcção do Jardim Botânico. O Colégio de São Bento é extinto
e o processo de ampliação da Faculdade de Filosofia toma para si grande parte das
suas instalações. Júlio Henriques depara-se com um novo e mais apropriado
espaço de trabalho e põe em marcha todo um conjunto de reformas, baseadas em
modelos de instituições botânicas de referência na Europa, que vieram a tornar
o Instituto Botânico da Universidade de Coimbra uma das mais proeminentes
instituições do género.
Apesar de ter
disposto sempre de escassos recursos, Júlio Henriques era, simultaneamente, um
homem empreendedor e um visionário. Com a sua determinação, foi criando as
condições que considerava necessárias ao ensino. A sua paixão pela botânica era
patente no entusiasmo com que leccionava. Implementou a prática, o trabalho
laboratorial (equipando laboratórios) e de campo, considerados por si como
vertentes fundamentais ao ensino. Ele adquiriu, para a Faculdade de Filosofia, microscópios
e promoveu o seu uso em Portugal. Separou do Museu de História Natural tudo
quando se relacionava com o Reino Vegetal e fundou o Museu Botânico; reuniu
todos os livros de Botânica que encontrou na biblioteca do Museu e da
Universidade e organizou uma biblioteca de botânica; reorganizou o jardim,
dando-lhe uma orientação para o ensino e para a investigação; montou
laboratórios para o ensino e para a investigação; ou seja, criou as condições
necessárias para um ensino de qualidade. O museu foi crescendo com colecções
que vieram de todo o mundo, nomeadamente das possessões portuguesas no
ultramar. A biblioteca foi enriquecendo com a aquisição de obras botânicas de
referência e actualizadas. Em poucos anos, a secção universitária dirigida por
Júlio Henriques encontrava-se suficientemente habilitada para constituir-se
como centro propulsor e orientador dos estudos de Botânica em Portugal. Convém
assinalar, ainda, a aquisição, por Júlio Henriques, da maior parte do Herbário
particular do botânico alemão Moritz Willkomm, que incluía cem mil exemplares,
pertencentes a mais de dez mil espécies, de plantas da região mediterrânica, da
Madeira e das Canárias, tendo servido de base para o estudo da flora de
Portugal.
Para Júlio Henriques, a Universidade não
deveria ter uma simples funções didáctica, mas também contribuir para o
desenvolvimento da própria Ciência. Propôs-se constituir o seu instituto num
centro director de investigação científica, que determinasse no país o
renascimento dos estudos botânicos; reabilitou-o e restabeleceu as relações com
os grandes centros científicos do estrangeiro; reuniu os meios necessários para
a elaboração e publicação de uma Flora Portuguesa de qualidade.
O Jardim Botânico, desde os tempos do
seu grande obreiro, Avelar Brotero, que vinha declinando. Burocracias e
orçamentos anuais cada vez mais reduzidos, tinham conduzido o Jardim a um
estado quase ruinoso. Quando Júlio Henriques pegou na direcção do Jardim, já
havia um esforço para lhe dar nova vitalidade, contratando-se jardineiros
qualificados, procedendo-se a novas plantações e estabelecendo-se relação com
jardins botânicos europeus de referência. Esforço que foi aproveitado por Júlio
Henriques para recuperar o prestígio do Jardim. Nos primeiros anos melhorou as condições da estufa, continuou as
plantações no Jardim e na cerca. Intensificou as permutas de plantas e sementes
com os principais jardins botânicos de Portugal, Europa e outras partes do
mundo, particularmente com a Austrália.
Em 1874,
casa-se com Zulmira Angelina de Magalhães Lima, uma noiva recomendada por sua
mãe. Matrimónio que mantém até à morte da sua esposa.
Em 1879
contrata para o Jardim um jardineiro de origem alemã, Adolfo Moller, e, no
mesmo ano, Joaquim de Mariz, um licenciado em Filosofia, é nomeado naturalista
da Faculdade de Filosofia. Estes dois elementos, juntamente com o colector Manuel
Ferreira, vieram a constituir uma equipa de trabalho muito empenhado e extremamente
competente, a quem o estudo da flora de Portugal e das colónias portuguesas em África
muito deve.
Em 1880, em
homenagem a Avelar Brotero, Júlio Henriques cria a Sociedade Broteriana, a
primeira sociedade científica botânica a ser fundada em Portugal. Começou com
uma sociedade de leigos, apaixonados pela botânica, reunindo agrónomos,
professores do liceu, abades, médicos, antigos alunos da Universidade e simples
particulares. Esta sociedade prestava-se a colher exemplares botânicos para
posterior identificação e conservação em herbário, com vista a reunir materiais
indispensáveis para a publicação de uma nova Flora Lusitânia. Colaboraram
diligentemente nesta sua tarefa o naturalista Joaquim de Mariz e o jardineiro
Chefe Adolfo Moller.
Como
consequência da fundação da Sociedade, surge uma publicação, o Boletim da
Sociedade Broteriana, uma revista de carácter científico, com a finalidade de dar
conhecimento aos sócios da actividade da agremiação e a publicar os trabalhos
científicos que dela resultavam, cujo o primeiro volume é impresso em 1883. Sob
a direcção de Júlio Henriques, a publicação da revista foi bastante regular e,
em 1920, encontravam-se publicados 28 volumes, encerrando-se a primeira série.
Com o envelhecimento do grande mestre e com o desaparecimento dos seus
colaboradores, o Boletim foi diminuindo de volume, até que, em 1920, a colaboração que
obtinha era bastante diminuta e a sua tiragem não excedia os 80 exemplares.
Júlio Henriques, já com 82 anos, estava disposto a terminar a publicação da revista.
Os doutores Luiz Wittnich Carriso e Aurélio Quintanilha, não deixaram morrer a
publicação e fizeram-na renascer, iniciando-se a publicação da segunda série.
A admiração
que Júlio Henriques tinha por Avelar Brotero, fruto da mais valia que este
botânico foi para o desenvolvimento do estudo da Botânica em Portugal, levou a
que em 1 de Abril de 1887, se assentasse a estátua em sua homenagem no Jardim
Botânico de Coimbra.
Júlio
Henriques percorreu o país em expedições florísticas (herborizações) e encorajou
outras muitas outras pessoas a dedicarem-se à mesma actividade. Empreendeu
expedições muito produtivas à Serra da Estrela, Serra do Marão, Buçaco, Gerês,
Caramulo, Lousã, Macieira, Castro-Daire e São Tomé e Príncipe. Desta
actividade, resultaram várias publicações científicas de peso, entre as quais
se salientam o estudo monográfico de vários grupos da flora portuguesa:
Criptogâmicas Vasculares, Gimnospérmicas, Amarilidáceas, Gramíneas,
Plantagináceas, Fungos, Diatomáceas e Líquenes.. Elaborou também, a primeira
monografia florística de São Tomé e Príncipe, que, tal como toda a sua produção
científica, se encontra publicada nos Boletins da Socieddade Broteriana. Também
publicou o primeiro estudo metódico de uma flora regional de Portugal – Esboço
da Flora da Bacia do Mondego.
Identificou e
classificou e descreveu muitas dos exemplares botânicos que foram colectadas
por si e por toda a comunidade botânica que disseminou pelo mundo – chegou a
comunicar ao mais alto nível, com ministros, para libertar ou deslocalizar
funcionários para as colectas no ultramar. Distribuiu e deu a classificar muitos
exemplares a grandes especialistas botânicos, seus contemporâneos, que lhe
dedicaram muitas espécies.
Os seus
conhecimentos de botânica eram reconhecidos e atendidos. Durante mais de 50
anos correspondeu-se com Pereira Coutinho e Gonçalo Sampaio, dois ilustres
Botânicos portugueses, dando o seu contributo a cada um deles para a elaboração
das respectivas Floras de Portugal. Ele próprio desejava publicar uma nova
Flora de Portugal
A agricultura
colonial mereceu um interesse particular de Júlio Henriques. Dirigiu várias
publicações no sentido de apoiar os agricultores do ultramar, como por exemplo: Agricultura Colonial, Meios para a
Fazer Progredir; e Instruções Práticas Para
a Cultura das Plantas que Dão a Quina. O Jardim Botânico de Coimbra, sob a sua
direcção, também serviu de local de ensaio, ao estudar e ao cultivar novas
plantas com interesse agrícola, com vista ao aproveitamento das potencialidades
agrícolas das colónias. Milhares de plantas com interesse para a
agricultura colonial nasceram e foram criadas nas estufas do Jardim Botânico de
Coimbra e enviadas para as nossa colónias, nomeadamente, Angola e São Tomé.
A cultura da Quina (espécies do género Cinchona) tinha, na época, grande
interesse económico e sanitário. Da casca destas plantas extrai-se o quinino, produto
usado para combater o paludismo, que, na época, em Portugal e em territórios
ultramarinos, dizimava populações. Do Jardim Botânico de Coimbra saíram sementes
e plantas vivas, que eram remetidas para agricultores das colónias portuguesas,
para o desenvolvimento da cultura da Quina.
Júlio
Henriques foi sócio de várias instituições científicas portuguesas e
estrangeiras, como: Sociedade Broteriana, Sociedade de Geografia de Lisboa,
Sociedade Botânica de França, Sociedade Nacional de Aclimatização de França,
Sociedade de Economia de Madrid, Sociedade Botânica de Copenhaga; foi oficial
da Academia de França. Entendia bem a importância que este género de instituições
tinham como aglutinadores de esforços e reconhecimento de trabalhos
científicos.
Desconhecido
de muitos era o grande interesse que nutria pela arte. Foi, inclusive, durante
bastantes anos, vogal da Secção do Conselho de Arte e Arqueologia, com sede em
Coimbra.
Apesar de ser
um homem determinado e lutador, era extremamente humilde. Sempre recusou as
muitas condecorações que lhe foram atribuídas. Poucos cargos aceitou ao longo
da sua vida, para além daqueles que ocupava em prol das suas funções como regente
da cadeira de Botânica e director do Jardim Botânico. Uma excepção foi a
presidência da Associação Filantrópico-Académica, já extinta. Nunca exerceu
funções administrativas ou políticas. Em 1907 foi, em representação oficial da
Universidade de Coimbra, a Upsala, na Suécia, por ocasião da celebração do
bicentenário do nascimento de Lineu, onde foi distinguido como o título de
doutor honorário, recebendo diploma, anel de ouro e coroa de louros.
Durante 40
anos foi o 14º director Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, tendo-se
jubilado em 16 de Março de 1918. Aposentou-se como professor e director do
Jardim em 1918, já com 80 anos, mas continuou a trabalhar como Naturalista e
Director do Herbário, praticamente até à sua morte, em 7 de Maio de 1928,
com 90 anos, em Coimbra.
Jorge Guimarães
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