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Vandelli, Domenico, 1735-1816.

Domenico Agostino Vandelli nasceu em 8 de Julho 1735, em Pádua (Itália). Filho do Doutor em Medicina Girolamo Vandelli, lente de Cirurgia na Universidade de Pádua, e de Francesca Stringa. A sua formação académica decorreu na Universidade de Pádua, onde concluiu as licenciaturas de Filosofia Natural e de Medicina, em 1761. Na mesma universidade doutorou-se em Medicina, com a tese “Dissertationes tres: de Aponi thermis, de nonnullis insectis terrestribus et zoophytis marinis, et de vermium terrae reproductione atque taenia canis”.

No período da sua carreira científica decorrido em Pádua, produziu vários trabalhos científicos importantes, entre os quais se destaca a sua melhor obra, o «Tractatus de thermis agri patavini», publicado em 1761. Esta obra foi posteriormente traduzida para português, pelo próprio Vandelli, em 1887, e oferecida à rainha de Portugal, Dona Maria I.

Entre 1761 e 1764, Vandelli percorreu várias regiões do Norte da Itália, do Tirreno ao Adriático, colectando peças arqueológicas e exemplares de História Natural. Reuniu uma vasta colecção de objectos e espécimes biológicas, mineralógicas e palentológicas, com as quais fundou, em Pádua, um museu privado, ao qual deu o seu nome, “Conspectus Musei Dominici Vandelli”. As colecções expostas eram ricas, perfazendo, em 1763, um total de 28 armários. Não as reuniu sozinho, colaboradores e amigos, dispersos por locais tão variados como a Alemanha, Itália, Grécia, Gália, Sicilia e Egitpo, ajudaram-no a aumentar a sua colecção, enviando-lhe muito material.

Vandelli não era um mero coleccionador, pois não se limitava a juntar objectos por capricho. Ele estudava metodicamente cada peça, ilustrando-a com arte. Estas colecções irão, mais tarde, constituir o núcleo inicial do Museu de História Natural da Universidade de Coimbra.

A comunicação entre grandes cientistas sempre foi o motor do progresso da Ciência. Vandelli manteve comunicação com cientistas eminentes da sua época. Entre 1761 e 1764, trocou correspondência com Lineu (Carl von Linné, 1707-1778). A comunicação entre os dois iniciou-se com uma epístola sobre as Holotúrias – “Holoturio et testudine marina” – que Vandelli dirigiu a Lineu. Estas cartas encontram-se publicadas em anexo do «Florae lusitanae et brasiliensis specimen, Coimbra, 1788». Lineu apreciava muito o trabalho de Vandelli e, em 1767, homenageou-o, dedicando-lhe um género, o Vandellia, da família das Scrophulariaceae.

Sendo um homem empreender e um cientista dedicado, Domenico Vandelli começou a ser conhecido para além das fronteira de Itália. Muitas propostas de trabalho foram-lhe chegando do estrangeiro. Entre elas, destacava-se um aliciante convite para ensinar Ciências Naturais em Pietroburgo, que lhe foi feito em 1763. Contudo, acabou por preteri-lo em favor de um convite de Marquês de Pombal, o grande reformador português, seguidor do Iluminismo, que quis introduzir o método experimental no ensino universitário em Portugal. Vandelli ansiava por conhecer novos países, onde pudesse observar fauna e flora mais diversa e rica que a italiana, já bem conhecida. O facto de a flora portuguesa se encontrar por explorar, a perspectiva de conhecer espécies provenientes das colónias portuguesas e a possibilidade de vir a realizar uma “viagem filosófica” ao Brasil, foram motivos determinantes para Vandelli aceitar o convite e rumar a Portugal.

O convite que lhe foi dirigido por Marquês de Pombal resultou da boa fama que Vandelli gozava junto da comunidade de cientistas e letrados portugueses, que, na época, residiam em Itália, bem como da recomendação do próprio Lineu, que o considerava um excelente naturalista.

Em 1764, Vandelli chega a Portugal, integrado numa comitiva de professores italianos, contratados para leccionar matérias científicas (Matemática, Química, Física e História Natural) no Real Colégio dos Nobres, uma instituição de ensino pré-universitário, fundada em Lisboa, vocacionada para a formação inicial da aristocracia portuguesa; o seu contrato consistia em ensinar Ciências Químico-Naturais. Apesar de bem intencionada, esta aposta pedagógica não teve sucesso, uma vez que os aristocratas portugueses não se mostraram muito interessada em proporcionar uma formação científica consistente aos seus descendentes. Deste modo, Vandelli acabou por regressar a Itália.

Neste regresso à terra natal, a estadia de Vandelli foi de pouco dura. Pois, em 1765, o Marquês de Pombal faz-lhe um novo convite e este volta a Portugal. Desta vez, incumbe-o de projectar e construir o Jardim Botânico da Ajuda, em Lisboa. Este jardim foi fundado em 1768 e ficou com o privilégio de ter sido o primeiro Jardim Botânico de Portugal organizado para manter, estudar e coleccionar o maior número de espécies do mundo vegetal. Acabou por reunir milhares de espécies, dispostas segundo o sistema sexual preconizado por Lineu.

Para além do Jardim Botânico da Ajuda, do qual veio a ser director, o nome de Vandelli encontra-se ligado à construção e administração de outros jardins botânicos em Portugal. Em 1772, fundou, juntamente com o professor de Física Dalla-Bella, o Jardim Botânico de Coimbra, do qual também veio a ser director; no entanto, o projecto primeiramente apresentado foi considerado demasiado ambicioso e muito dispendioso, por Marquês de Pombal, tendo sido executada apenas uma parte dele. O Jardim Botânico do Palácio do Monteiro-Mor, iniciado na década de 1750[?], foi construído sob a sua orientação, e em 1793, este jardim botânico é considerado um dos mais belos de Lisboa. Vandelli era um homem pragmático, não descuidava o lado útil da ciência. Para ele, os jardins botânicos, para além de locais de ensino, deveriam ter um papel importante no desenvolvimento agrícola do país, promovendo culturas e ensaiando a aclimatização de espécies com interesse económico, com vista a rentabilizar os recursos agrícolas do país e reduzir as importações.

Nas boas graças de Marquês de Pombal, Vandelli é convidado para professor de uma nova faculdade instituída na Universidade de Coimbra, a Faculdade de Filosofia. Aceita o convite e, em 11 de Setembro de 1772, foi incorporado como lente de História Natural (1772-1791) e de Química (1772-1791); sendo, de seguida, graduado, gratuitamente, Doutor em Filosofia e em Medicina pela Universidade de Coimbra, a 9 e a 12 de Outubro do mesmo ano, respectivamente.

Na Universidade de Coimbra exerceu os cargos de Director do Laboratório Químico, em 1772, e de Decano e Director da Faculdade de Filosofia, em 1777. O seu contributo a esta instituição foi grande, preparou e implementou a reforma iluminista dos Estatutos da Universidade, fundou os laboratórios, participou na construção do Jardim Botânico e doou a sua colecção privada, que foi transportado de Pádua para Coimbra, passando a constituir o primeiro núcleo do Museu de História Natural da Universidade de Coimbra. A Câmara Municipal de Coimbra, em agradecimento pela doação, cedeu-lhe, gratuitamente, um terreno, por um período de 30 anos.

Vandelli era um homem distinto, extremamente culto, dinâmico e um excelente comunicador, qualidades que majoraram os seus atributos como docente, que eram reconhecidos e enaltecidos pelos seus discípulos e pelos seus pares. Era exímio na promoção e defesa dos seus trabalhos científicos, tornando a sua obra conhecida. As suas habilidades como observador e analista de assuntos de âmbito político, diplomático e financeiro, conseguiram captar a atenção dos governantes da época, tornando-o uma pessoa considerada ao mais alto nível da corte e do estado. Foi um naturalista muito importante para o desenvolvimento da política económica, da história natural e da química em Portugal. A sua vasta cultura nos diferentes ramos de História Natural, aliada à sua predilecção pela economia, levou-o a elaborar um inventário rigoroso e sistemático dos recursos e matérias-primas minerais, vegetais e animais de Portugal, salientando as suas potencialidades económicas para a industria nacional, nomeadamente a agrícola. Na qualidade de químico realizou estudos sobre o sal-gema (de Cabo Verde), sobre as águas de Lisboa e fundou, em Coimbra, a fábrica de cerâmica Vandelli. Ainda construiu um aeróstato a hidrogénio, que foi lançado, com sucesso, em 25 de Julho de 1784.

Arrastado pela sua apetência pela descoberta e pelo conhecimento científico, Vandelli promoveu várias “viagens filosóficas”, levadas a cabo por Alexandre Rodrigues Ferreira e outros naturalistas que foram seus alunos na Universidade de Coimbra. Foram encontradas muitas espécies desconhecidas para a ciência, das quais enviou exemplares a Lineu.

Vandelli descobriu e denominou mais de cem espécies biológicas novas para a ciência. A Anthericum mattiazzi Vand, uma Anthericaceae, dedicou-a a um colaborador seu, o Giulio Mattiazzi.

Em 1779 participou na criação da Academia Real das Ciências de Lisboa, vocacionada para incentivar a investigação científica e a divulgação da cultura portuguesa. Foi um dos principais mentores da Academia, tendo sido o seu grande impulsionador económico. Os textos que publicou, em nome desta instituição, nomeadamente na colecção “Memória económicas”, revelam o forte contributo que teve no desenvolvimento das doutrinas e políticas económicas e financeiras de Portugal da época.

Foi jubilado pela Universidade de Coimbra, por Carta Régia de 25 de Fevereiro de 1791. Nesse mesmo ano foi contemplado com duas nomeações de peso: uma, a de director do Real Jardim Botânico da Ajuda, que havia fundado em 1768, e a outra, a de deputado da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Daqui em diante, Vandelli passou a dedicar-se mais a assuntos políticos, diplomáticos e financeiros, pondo de lado as suas preocupações como naturalista.

Por ocasião das Guerras Napoleónicas, Vandelli manifestou-se contra a aliança entre Portugal e Inglaterra, defendendo as pretensões hegemónicas francesas. Inclusive, durante o período de ocupação francesa em Lisboa, colaborou com as tropas de Junot, no desmantelamento e transferência para França das colecções museológicas de História Natural mais importantes, sobretudo as de espécimes colhidos no Brasil. Após a entrada do duque de Wellington em Lisboa, em 1810, sob a acusação de conivência com os franceses, e apesar dos seus 80 anos, Vandelli foi deportado para a Ilha Terceira, nos Açores, a bordo da fragata Amazona, juntamente com outros afectos dos franceses, na denominada “Setembrisada”. Graças à interferência da Sociedade Real de Londres, da qual era membro, foi dali transferido para Inglaterra, de onde regressou a Portugal, em 1815, quase no fim da vida.

Vandelli é autor de um grande número de obras e “Memória” sobre temas científicos e económicos. Publicou inúmeras obras botânicas em português e em Latim, tendo redigido importantes trabalhos de botânica descritiva sobre várias famílias. Da sua passagem por Portugal surgem obras como a «Dissertatio de Arbore Draconis, seu Dracaena», publicada em Lisboa, em 1768, e a «Florae Lusitanicae et Brasiliensis Specimen. Et Epistolae ab eruditis víris Carolo a Linné, António de Haen ad Dom Vandelli scriptae», criada em 1788, baseada no trabalho e nas indicações de Joaquim Vellozo de Miranda, seu discípulo, que passou muitos anos no Brasil a colectar espécies da flora local. No mesmo ano publicou o «Dicionário dos termos técnicos de história natural extraídos das obras de Lineu» e «a Memoria sobre a utilidade dos Jardins Botanicos». Em 1789, publicou a «Viridarium Grisley lusitanicum, Linnaeanis».

Foi sócio de várias sociedades científicas: Sociedade Real de Londres, Academia Real das Ciências de Lisboa e das Academias de Ciências de Uppsala, Lusácia (Lausitz), Pádua e Florença. Foi membro da Maçonaria, comendador da Ordem de Cristo e deputado da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação.

Morreu a 27 de Junho de 1816, em Lisboa.

Jorge Guimarães

 
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